O Chat Noir escreve com raiva cravada nos dentes, pulso distorcido, expelindo sílabas como quem cospe sangue num beco, na febre de um corpo remendado à pressa, pedaços mal-amanhados e pornografia bruta a pingar das páginas. O amor arde ácido na boca: trago animal, resíduos de merda pisada e vinho ressequido nas tábuas pobres. A Cecília tomba e passa à toa, o Paulo Pinto lança um grunhido entrecortado no canto do fracasso. O desejo pressiona-se contra o medo, suado, a pedir boleia junto à berma de um disparate — a próxima página é rua em devoluto. Esquece ideias de história — só sobra cicatriz e movimento inseguro. O livro arranca à bruta, uma descarga aos solavancos, um vómito encalhado no fundo da garganta; a memória escava, arranha o juízo e abre crateras onde só devia haver chão. Lê e vais sentir a garra do Chat Noir a cerrar-se no teu pescoço, faltando o ar até gritares em pensamento, até tudo se desprender e restar verbo desapiedado a latejar. Quem fica fica porque já mergulhou, viciado, sem remédio, parar é indigesto. O texto bebede-se a ti — primeiro rasga, depois lambe-te das feridas. Neste sítio quem lê aprende cedo a calar-se e a tomar, inteiro, o murro que vem.